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Entrevistas

AED Portugal promove competitividade e inovação nacional

Os setores da aeronáutica, do espaço e da defesa contam com quase 100 entidades, que representam mais de 18.500 postos de trabalho diretos. Com um volume de negócios superior a 1,7 mil milhões de euros anuais, o cluster já deu provas do seu valor e enfrenta ainda um grande potencial de crescimento.

A presidência Obama deu os primeiros passos de deslocalizar a área de influência dos EUA do Atlântico para o Pacífico. Com Donald Trump, essa mudança aumentou. A Europa começou a interiorizar a necessidade de atuar para inverter o processo de perda de relevância. Com a administração Biden, o foco continua no Pacífico. A esta situação acresce a consolidação da China como superpotência mundial. Perante esta realidade, a União Europeia sabe que precisa de mudar. É necessário passar da vontade à ação e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no debate do estado da União proferido esta semana em Estrasburgo não deixou margens para dúvidas, vão surgir mudanças em matéria da defesa e de outros setores que se consideram estratégicos para a Europa. Tudo aponta para que sejam boas notícias para as empresas europeias.

Portugal, ao contrário do que muitos opinam, possui uma indústria em crescimento na área da aeronáutica, espaço e defesa (AED). Aliás, é um dos clusters de competitividade reconhecidos pelo Estado português, através do IAPMEI.

Com mais de 18.500 profissionais e um volume de negócios de 1,7 mil milhões de euros, dos quais cerca de 87% dizem respeito a exportações, este é um setor em expansão, capitalizando no crescimento internacional dos diferentes mercados que endereça, apesar do impacto da pandemia de covid-19.

Falámos com José Neves, presidente da AED Portugal, para descobrir os desafios que estes três setores enfrentam, a importância para a economia nacional - nos últimos 10 anos, cluster cresceu a uma taxa anual de 12% - e os muitos projetos que estão a desenvolver.

Qual é a função do cluster AED Portugal?

Um dos objetivos de base da AED é o de promover um ambiente em rede, para cooperação industrial e tecnológica, permitindo assim aumentar a competitividade das comunidades industriais, científicas e tecnológicas portuguesas neste ecossistema. Neste âmbito, o cluster é o parceiro de referência nacional.

E quais os principais desafios que enfrentam?

São vastos os desafios que temos pela frente, nomeadamente maior e melhor integração das entidades nacionais em cadeias de fornecimento internacionais; aumentar a projeção internacional dos produtos e tecnologias desenvolvidas em Portugal, assim como das elevadas competências dos recursos humanos afetos a estas indústrias; ser um veículo de suporte ao crescimento das empresas de uma forma transversal, incluindo a atração e a retenção de talentos neste ecossistema, tal como a capacitação dos recursos humanos, tipicamente altamente especializados; atrair para Portugal investimento de elevado valor acrescentado, que permita um crescimento holístico em toda a cadeia de valor; dinamizar as entidades nacionais na resposta aos grandes desafios europeus de reindustrialização, recuperação e resiliência, assim como numa participação mais ativa em grandes programas europeus (como o Fundo Europeu de Defesa ou o Horizonte Europa) e numa maior participação em projetos da Agência Espacial Europeia.

Trabalha ainda no sentido de mobilizar respostas aos novos desafios de uma sociedade moderna como a mobilidade sustentável, transição digital e o mercado espacial, que está cada vez mais presente nas nossas vidas; e posicionar o setor para uma resposta ativa aos desafios do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, reforçando o potencial produtivo nacional a curto prazo em particular nas componentes da digitalização e descarbonização destes setores.

Que importância teve o cluster de competitividade para melhorar, modernizar e tornar as empresas do setor mais competitivas?

Os setores da aeronáutica, do espaço e da defesa são hoje fundamentais para a economia, catalisando o desenvolvimento tecnológico e a inovação, não só nas cadeias de valor adjacentes, como em outros setores da economia através de sinergias transversais em todo o tecido social e económico. A AED foi reconhecida Cluster de Competitividade em 2017 e desde então passou também a assumir a responsabilidade de estabelecer melhores níveis de cooperação entre as empresas e stakeholders, organizando ações coletivas e parcerias colaborativas.

Fruto desse desafio, o cluster tem vindo a promover a magnífica evolução do ecossistema português, que já deu provas do seu valor e enfrenta ainda um grande potencial de crescimento. Temos também verificado que as nossas empresas, institutos e academia partilham cada vez mais sinergias significativas em vários domínios industriais, de pesquisa e de engenharia.

Que iniciativas destaca?

Conscientes de que os programas de I&D geram mais crescimento e são essenciais para a competitividade de Portugal (através da excelência, criação de empregos altamente qualificados, retenção de talentos, fortalecimento da indústria e dos ecossistemas, apoio à autonomia estratégica das tecnologias, etc.), destacamos, de entre as inúmeras atividades promovidas pela AED, três iniciativas com diferentes níveis de maturidade, que permitem desenvolver capacidades e competências nacionais através da investigação científica, inovação, educação e cultura científica.

A primeira iniciativa é o projeto PASSARO, endereçando novos conceitos de cockpit e de estruturas aeronáuticas, assim como a aplicação de novos conceitos tecnológicos no fabrico de componentes aeronáuticos (tipicamente bastante tradicional). Esta foi a primeira vez que Portugal participou como core partner num projeto do CleanSky2, neste caso, em colaboração com a ADS (Airbus Defense and Secuity), sendo um passo importante para a sustentabilidade ecológica do setor aeronáutico.

Uma outra iniciativa foi a candidatura do cluster ao Programa Mobilizador Nacional, na vertente de Urban Air Mobility, que representa um investimento de 10 M de euros num setor que poderá valer mais de 10 mil milhões de euros em 2030. Envolvendo 23 empresas do cluster, o FLY.PT apresenta uma solução modular que combina um veículo elétrico autónomo com um veículo autónomo aéreo, através da acoplagem/desacoplagem de um habitáculo para duas a quatro pessoas ou duas pessoas com bagagem.

Na vertente espacial, o VIRIATO pretende desenvolver e demonstrar um veículo lançador suborbital. Enquanto produto, o veículo suborbital servirá como plataforma de teste e validação de diversos componentes e sistemas para um futuro microlançador português. Paralelamente, a operação do veículo será comercializada como um serviço, tendo como foco a realização de experiências de microgravidade de longa duração.

Como mudou/evoluiu o setor na última década?

O cluster é hoje composto por quase 100 entidades, representando mais de 18.500 postos de trabalho diretos. Com um volume de negócios superior aos 1,7 M de euros/ano, em que aproximadamente 87% dizem respeito a exportações, este é um setor em expansão, capitalizando no crescimento internacional dos diferentes mercados que endereça, apesar do impacto da pandemia covid-19.

Esse crescimento (na ordem dos 12% ao ano) foi bastante acentuado na última década, fruto de uma elevada atratividade nacional para este ecossistema que motivou os mais variados investimentos.

Por exemplo, no setor aeronáutico, em Évora surgiram dois investimentos estratégicos de nível internacional: a Embraer, com criação de raiz de duas fábricas state-of-the-art (uma dedicada a peças metálicas, outra para peças em compósito), a produzir componentes para os principais aviões da Embraer, nomeadamente o novo E2, o cargueiro KC390, o Legacy, entre outros; e a Mecachrome, que fabrica peças de metal de alta precisão para aviões, numa primeira fase para motores e, no futuro, também para estruturas aeronáuticas, fornecendo clientes como a Airbus, Boeing e Safran.

Existem também vários investimentos nacionais de relevo neste setor, como o do Grupo Salvador Caetano, que construiu uma unidade para fabricar peças para aviões – a Caetano Aeronautics –, criando a norte uma nova centralidade para o cluster aeroespacial.

Qual o posicionamento de Portugal nos setores espacial e da defesa?

O nível de ambição nacional no setor espacial subiu substancialmente contando com a criação de uma Agência Espacial Nacional, a criação de uma lei espacial e com o lançamento de novas iniciativas relacionadas com o Atlântico, nomeadamente o Porto Espacial dos Açores e o Atlantic International Research Center. De referir aqui que o posicionamento geográfico dos Açores é uma evidente mais-valia na indústria dos portos espaciais, dos microlançadores e por consequência dos micro e nanossatélites.

Por fim, o setor da defesa, consequência de um maior dinamismo europeu nos últimos cinco anos, enfrenta hoje oportunidades únicas, que poderão pôr a indústria nacional num elevado patamar tecnológico nos próximos tempos. A aprovação da Lei da Programação Militar (LPM) e a criação de uma Política Europeia de Defesa são dois dos marcos que foram devidamente articulados com a estratégica da AED para este setor, cada vez mais focado no desenvolvimento de produtos tecnológicos inovadores e na integração do tecido industrial português na cadeia de valor europeia.

Estes elementos permitem olhar para os últimos 10 anos com o sentimento de “trabalho realizado” (envolvendo um vasto conjunto de atores nacionais), e perspetivam um forte crescimento para a próxima década. Os recentes investimentos da OGMA em Alverca, num novo centro de manutenção de motores, e da Airbus/Stelia em Santo Tirso, na construção de uma unidade industrial para produção de peças para aeronaves, são uma boa prova da vitalidade de todo o ecossistema.

A AED assinou o Pacto Setorial para a Competitividade e Internacionalização, celebrado com o Ministério da Economia e o IAPMEI. No que consiste este pacto?

Apadrinhado pelo ministro da Economia e pelo IAPMEI, a AED subscreveu em setembro de 2019 o Pacto para a Competitividade e Internacionalização. Neste âmbito, foram definidos um conjunto de eixos estratégicos que têm sido devidamente monitorizados para a consecução dos objetivos estratégicos associados. Estes incluem os seguintes eixos de ação: Pessoas e Competências, para fazer face aos desafios de atração, retenção e formação dos recursos humanos; Criação de Valor pela Inovação e I&D, com a construção de ofertas de produtos e serviços diferenciadores, garantindo uma competitividade a médio-longo prazo. Para se conseguir competir em mercados cada vez mais complexos e competitivos, com cadeias de fornecimento globais muito consolidadas e de difícil acesso, é necessário garantir um enfoque dos recursos humanos na construção de ofertas de produtos e serviços de elevada qualidade e diferenciadores; mercados e criação de oportunidades, tanto internas, como externas, maximizando a integração nas cadeias de fornecimento internacionais; financiamento e regulatório, considerando o contexto altamente institucional de todos os setores e a grande intensidade tecnológica acoplada a longos ciclos de desenvolvimento, estes setores exigem especial atenção especial a estes dois elementos.

De sublinhar que, para cada eixo e objetivos estratégicos, foi elencado um conjunto de ações consideradas passíveis de serem alavancadas no contexto deste pacto, de forma a garantir um enfoque no diálogo e subsequente sucesso nas iniciativas lançadas.

Este cluster requer uma mão de obra qualificada e especializada. É fácil encontrar recursos para satisfazer as necessidades de trabalho do setor?

A retenção e a atração de talento, assim como a formação e treino dos recursos humanos, são um desafio deste ecossistema e o preenchimento de lacunas de mão de obra tem sido uma prioridade para a AED. Além de um trabalho contínuo de tentar providenciar soluções para necessidades específicas evidenciadas por parte dos associados, pretendemos ainda assegurar o cofinanciamento que nos permita operacionalizar a execução de medidas já há algum tempo planeadas, nomeadamente ações de atração para os estudantes dos vários níveis etários e qualificações, aproximação da indústria às escolas/universidades, com dinamização de visitas industriais, teses de mestrado, etc. Entretanto, foi-se intensificando o trabalho com as universidades, as associações de estudantes e agências públicas a atuar neste campo, como é o caso da ANQEP e o seu processo de atualização do catálogo nacional de qualificações.

Definiu-se também o evento que consideramos que será disruptivo neste setor, nesta dimensão: o AED Careers, a ser lançado ainda este ano enquadrado no evento anual do cluster, o AED Days 2021.

Quais as universidades portuguesas com quem trabalham com maior regularidade?

Atualmente, são seis as universidades que estão no seio do cluster: Atlântica, de Aveiro, da Beira Interior, de Coimbra, de Évora e Lusófona. Ao nível de instituições de ensino, o cluster tem ainda como associados, e com quem também, por isso, trabalhamos regularmente, a FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto); o IPL (Instituto Politécnico de Leiria); o ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto) através do CISTER; o IST (Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa) através do C2TN, IDMEC e ISR; e a UNINOVA (da Universidade Nova de Lisboa).

O cluster AED vai beneficiar com as medidas do Plano de Recuperação e Resiliência?

No âmbito da preparação da implementação e execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o cluster elaborou um documento que visa dar um contributo adicional, de forma que o PRR possa ser utilizado mais eficazmente para o crescimento destas indústrias, que continuam a ser dos setores mais diferenciadores a nível internacional. Este contributo pretende realçar a importância do PRR como uma oportunidade relevante no desenvolvimento de produtos e serviços diferenciadores, assim como a importante integração dos setores da aeronáutica, espaço e defesa nos mercados internacionais. É nosso entendimento que o PRR deverá ser adaptado aos desafios e características endógenas deste ecossistema em Portugal, possibilitando assim uma plena utilização deste mecanismo.

Fruto da relevância deste tema, a AED e os seus associados estão já a trabalhar no desenvolvimento de propostas diferenciadoras e de elevado valor, que poderão mobilizador todo um ecossistema para um novo patamar tecnológico. Pretendemos acelerar e consolidar capacidades de desenvolvimento de produtos e serviços já existentes, assim como novos, com foco no aumento de valor acrescentado, volumes de exportações e criação de emprego qualificado. Estes são desenvolvimentos apenas possíveis com uma boa gestão e operacionalização dos investimentos indicados no PRR.

É possível ter uma economia competitiva cumprindo as metas ambientais propostas pela União Europeia?

Sem dúvida. Este é, aliás, um dos grandes objetivos que temos pela frente, o qual temos a certeza de que vamos alcançar. Do nosso ponto de vista, estas metas lançam enormes desafios para todo o setor, que criam novas oportunidades para todo o tecido industrial português.

Por exemplo, no âmbito europeu, foram traçadas enormes metas para a aviação civil, que visam tornar o setor neutral ao nível do seu impacto no clima em 2050. Transformar essa ambição em realidade vai exigir a integração de uma série de novos avanços tecnológicos, um dos quais é relativo a novas aeronaves que utilizam hidrogénio como fonte primária de energia. Este passo está a ser dado em paralelo a um conjunto de outras prioridades como motores híbridos, aeronaves mais elétricas e estruturas aeronáuticas mais leves. A combinação destas várias tecnologias revolucionárias vai claramente contribuir para uma mudança do paradigma de sustentabilidade ecológico de todo o setor aeronáutico, para o qual o cluster já está a trabalhar.

O projeto PASSARO, já mencionado, faz parte de um conjunto de iniciativas pioneiras em que o cluster já está hoje envolvido e que endereçam os requisitos da sustentabilidade ambiental.

Sublinho ainda que, impulsionado por incertezas geopolíticas e uma crescente consciência das dependências e vulnerabilidades da tecnologia, a soberania tecnológica tornou-se um ponto importante na estratégia da UE. Este facto abre novas oportunidades a entidades nacionais e as quais temos vindo a abordar com os nossos associados e a nossa congénere europeia ASD (AeroSpace and Defence Industries Association of Europe).

Qual foi o Impacto da pandemia no setor aeronáutico?

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia associada à covid-19. A pandemia provocou uma recessão económica mundial muito profunda, tendo o setor do transporte aéreo sido particularmente afetado, “com o consequente arrastamento à indústria aeronáutica e às suas cadeias de fornecimento”, explica José Neves, presidente do cluster AED.

Estando as indústrias da defesa e espaço mais protegidas, devido ao envolvimento com o setor público, “o impacto foi também evidente”. Na AED, “demos total prioridade à mitigação do forte impacto sentido em todos os setores, lançando um conjunto de ações não planeadas e reorientando muitas das ações e objetivos definidos”. O cluster desdobrou-se em contactos e contributos, tendo redigido diversos position papers, que utilizou para promover diversas reuniões ao nível ministerial, secretarias de Estado, governos regionais e agências públicas, para ações de sensibilização. Apesar do contexto de pandemia, a AED “continuou a crescer em número de associados para os três setores, refletindo o reconhecimento por parte dos associados e do ecossistema em geral”, do papel crítico que o cluster AED “tem e pode continuar a ter na dinamização e criação de oportunidades”, defende ainda José Neves.